"Onírica Tremens", por Paezar uloC
Onírica Tremens: Lado A "Preciso continuar correndo, respirar corretamente e tentar me controlar, calma Ângela, calma." Tentava manter-se correndo para longe do que acabara de ver, precisava calar a dor para manter-se viva e um desvio de atenção seria o suficiente para encontrar o mesmo fim de seus pais, com os olhos em lágrimas temia em cair e ser alcançada por ele. "Assim que virar a próxima esquina vou entrar no beco e num só pulo vou conseguir subir o muro da casa do Sr. Gimenez. Agora, isso, pula..." Ela sentia algo vindo atrás dela, não poderia parar e nem mesmo virar-se para constatar que qualquer que seja aquilo que acabara com sua família, estava agora também atrás dela, conhecia bem aquele beco assim como também conhecia os cachorros da casa do Sr. Gimenez. "Ufa! Ande com calma agora, passo após passo, isso, até o fim, nunca olhe pra trás, o que quer que seja aquilo é o responsável agora pelos gritos dobrando a esquina em direção ao beco, gritos tentando alcançar o muro, preciso parar de chorar, porque os cachorros aqui da vizinhança não latem, por que ninguém acorda?" Conseguiu alcançar o terraço do conjunto comercial colado à casa do Sr. Gimenez e lá de cima pôde perceber uma estranha movimentação prejudicada pela ridícula iluminação da via pública. "Oh meu Deus, esse latido, não pode ser, a Grampola minha cachorrinha está lá embaixo, preciso sair daqui, tentar pedir ajuda, o que é iss..." Ângela virou-se para o repentino som de grandes asas batendo e viu apenas o suficiente para lembrar que asas assim tinha visto no selo da gravadora dos discos do Led Zeppelin de sua coleção. Sempre que ouvia o disco ‘In Through the Outdoor’ tentava imaginar como seria o som daquelas asas. Seu corpo caiu lá de cima num violento impacto contra o muro, um frio intenso atravessou seu corpo e uma nauseante calma a deixou impassível quando seu corpo lá embaixo servia de brinquedo para uma dança violenta, Grampola logo veio se juntar a ela e ao som de grandes asas... Ângela queria chegar logo em casa e conversar um pouco com seus pais para depois ficar quieta em seu quarto, talvez ler um pouco. Não sabia que horas eram, parou com os relógios e alguns outros detalhes supérfluos desde que experimentou pela primeira vez a dor da traição, o peso d’uma mágoa recém nascida de um amor-catástrofe a envolvia em pulsos alternados por esses dias. Estava bem perto de casa, apressou o passo quando percebeu algo estranho, o portão aberto, e nenhum sinal de Grampola, desde quando Sheela escapou uma única vez alguns anos atrás e foi encontrada por amigos já morta no canto do asfalto, atropelada por um monstro e sua estúpida máquina de matar, que seu coração acelerava sempre que o encontrava aberto. A preocupação alcançou índices de desespero quando ao entrar na sala de sua casa encontrou sua mãe ainda agonizando com seu corpo dilacerado em surda dor que, numa débil tentativa de se comunicar com a filha, uma golfada de sangue saiu pela sua boca causando espasmos convulsivos, diante desse terror quis gritar por seu pai, mas um violento choque de um corpo que parecia seu pai explodiu contra a parede num arremesso vindo do quarto, aquilo estava ali ainda assassinando seus pais, precisava sair dali e pedir ajuda então deu as costas para o absurdo indizível e correu, correu.... Acordou num salto suando frio, seu coração ainda acelerado com as lembranças do pesadelo, se acalmou um pouco quando ‘Made of Stone’ dos “Stone Roses” a trouxe de volta ao seu quarto, conseguiu levantar-se da cama no instante em que ‘Happy Place’ com “The Jesus And Mary Chain” começou a tocar no seu som provocando um belo sorriso em seu rosto, assim deu início à constatação final de que tudo fora um terrível pesadelo, um sol brilhava lá fora anunciando vida num dia de grandes possibilidades. Ângela acordou nua naquela manhã e quando subiu a calcinha apertou as coxas fazendo uma leve pressão sobre o seu Segredo, era assim, com esse toque, que uma agradável sensação percorria o seu corpo em ondas de excitação, sempre que se tocava assim, não imaginava ser possuída por um homem, mas gostava sim de se deixar sozinha, solta em si mesma descobrindo-se. Desde a época de Ensino Médio que descobrira a proibida arte de se conhecer, sabia que os meninos faziam isso e decidiu também fazer. Pediu para um colega ensiná-la, mas com as mãos dele pouco conseguiu sentir, ele não sabia como tocar uma mulher, ciente de sua imperícia ele a surpreendeu quando desceu em beijos pelas suas coxas procurando pelo seu Segredo, sua respiração suave seguida de breves e lentas lambidas desvendando todo a delicada região prolongaram uma sensação desconhecida para Ângela, revelando a inesgotável fonte de prazer que carregava consigo. Pouco tempo depois descobriu os movimentos certos com os dedos e sozinha alcançou o gosto pelo gozo absoluto. Colocou o CD ‘Deserter’s Songs’ do “Mercury rev” na música ‘Endlessly’ achando graça das coisas boas e simples da vida e então saiu do quarto. Uma forte ânsia de vômito a invadiu quando um rastro de sangue cortou a frente de seu quarto em direção aos fundos da casa, nesse instante começou a chorar ainda fragilizada com tudo que tinha passado, tal qual marionete puxada por fios foi lentamente conduzida ao quintal sendo incapaz de reagir. Nos fundos de sua casa desejou morrer diante da visão que faria qualquer episódio da série ‘Silent Hill’ parecer um inofensivo jogo para crianças de convento. Encontrou a si mesma sentada num canto do quintal acarinhando cães que a devoravam, os estalos de ossos se partindo e vísceras sendo mastigadas não cobriam o choro de bebês presos a um muro sendo lentamente fatiados por dois homens vestidos com capas plásticas, jogavam os pedaços às mães que ajoelhadas os esfregavam voluptuosamente pelo corpo, lamentando aos gritos contra a perda da forma física. À direita do muro à sua frente um professor armado de canetas golpeava os próprios olhos repetidas vezes confessando culpas mofadas, tentou voltar mas o chão, coberto de rostos tortos por um derrame que acomete pessoas covardes intensificava um inferno estabelecido no quintal de sua casa, precisava pisá-los para evitar o pouso de abelhas furúnculos mas diante dessa visão perdeu a consciência. Acordou com sua mãe entregando o telefone. - Acorda filha, já são 2 da tarde e o Alexandre está no telefone. - Ângela , oi, sinto muito mas acabei de receber uma ligação da polícia, encontraram o Paulo morto num beco na noite passada, eles me disseram que ele foi esquartejado por algum tipo de animal, sei que vocês terminaram mas eu preciso saber se você o viu ontem. Ângela tentou mas não conseguiu reagir pois estava ainda sem saber se realmente tinha acordado. Para ela seria melhor que ele estivesse morto mesmo, mas essas coisas você fala sem realmente desejar que aconteçam, depois de tudo que a fez sofrer queria mais é vê-lo chutando bunda de soldado na Coreia do Norte, mas agora estava morto talvez da mesma forma que ela em seu pesadelo. Não queria isso, realmente não. Respirou fundo e respondeu: - Oi Ale, tive um pesadelo e nesse pesadelo acordei dentro de um outro ainda pior, me desculpe, te ligo depois. Se arrastou para fora da cama e ainda com o telefone na mão se encolheu num canto do quarto e chorou baixinho confusa com tudo que estava acontecendo. Aquela mistura de chocolates Alpino e Amaro + vinho branco não deve ter feito bem durante os filmes ‘Ils’, 'Rec' e ‘Calvaire’ mas não foi esse o pensamento que a ocupava no momento, agora Ângela não sabia o que pensar e nem o que fazer, Ângela agora vivia a herança de um terrível pesadelo.
Onírica Tremens: Lado B