"Oferendas", por Filipi Pompeu
O pneu do caminhão atirou pedrinhas sobre a carcaça do animal enquanto cortava a 150km/h a rodovia mal pavimentada. Álvaro percebeu o sangue do animal, crestado no asfalto, sol a pino. Era um ratão do banhado, dos grandes; seu metro de tamanho original se multiplicava em todas as direções em faixas de sangue seco e órgãos esmagados.
- Meu Deus... – Álvaro suou um pouco mais do que deveria.
Tirou do bolso da camisa xadrez entreaberta um lenço fino, bordado inabilmente com a imagem da Virgem de Guadalupe. “El Relicario de Nuestra Señora de Guadalupe desea una buena viaje”. Enxugou o excesso da testa e da sobrancelha, lembrando da história que ouviu numa rodoviária em Gran Villa: o homem gordo capotara com a carga de pedras de pavimento por que uma gota de suor salgado lhe caíra no olho. O sol tremia a imagem real do deserto, lá fora.
Álvaro nunca estivera em Matamoros. Já fizera alguns fretes naquela região do México, conhecida pela tequila barata, pelos assassinatos do cartel de drogas e pelos cultos milenares que resistiram os espanhóis, os astecas e os tepanecas e tantos outros povos, mas nunca Matamoros. Não costumava lhe convir perguntar ao chefe de seu “departamiento” a carga que levava. O contrabando não admitia muitas perguntas ultimamente, mas em sua casa havia perguntas demais sobre bens de consumo básicos e ele já confessara o porque de tudo isso ao padre da aldeia.
A imagem do animal espatifado e esquecido sob o sol, vista pelo espelho retrovisor lhe infundiu medo. Álvaro se pegou imaginando a violência do impacto. Os olhos do ratão brilhando na noite, refletindo os faróis altos do veículo. O ruído do motor rotacionando no limite da quinta marcha e um súbito solavanco com barulho de galhos secos partindo. Agradecido por estar sozinho, começou a cantar, seguindo o rádio:
- “...e así pasan los dias... y tú, desesperado...”
O sol descascava a imagem da Virgem que pendia do retrovisor.
Anoitecia. Álvaro procurava há 20 quilômetros por algum pouso de beira de estrada sem sucesso. À sua frente outra curva. Estavam se tornando cansativas agora, como todo o resto, mas eram necessárias para passar por qualquer fiscalização. Diminuiu para 60 km/h e lentamente girou o volante. Subitamente, um vulto saiu do mato ralo do lado direito, atravessando a contramão; Álvaro ensaia um desvio, mas assim mesmo a dianteira do caminhão decola com o baque. Pousa desajeitadamente rumo à vala de contenção do acostamento com alguns graus de inclinação, a Virgem dançando loucamente, enforcada no retrovisor.
Álvaro acorda meia hora depois, os sentidos gritando dor. Zonzo e com o nariz sangrando abundantemente, abre a porta da Scania e salta para fora. Percebe que ao fundo do mato ralo, se ergue uma majestosa vegetação de árvores frondosas, algo visível a uma distância grande nas planícies de Tamaulipas. “Mas que diabo? Isso não estava aí antes, tinha luz suficiente, eu sei!” Ele olhou então para a estrada e viu uma massa acinzentada a uma distância considerável. “Bati... naquilo?”. Cambaleou debilmente até o cadáver. Era um cachorro muito grande. Um doberman, chutou, mas com duas vezes o tamanho de um, maior que um bezerro; um pouco menor que um pônei.
- Mas que...? – murmurou enquanto olhava apalermado o estrago.
A pele não se rompera, a não ser onde algumas costelas se projetavam, brancas por fora e vermelhas por dentro. O tronco detinha um relevo irregular, com algumas partes inchadas, causa da hemorragia interna. Pela boca e pelo ânus eram os únicos lugares por onde o sangue escorria preguiçosamente ao sol, grosso e escuro. Ficou tonto quando observou que os intestinos em grande parte saíram pelo ânus do animal com o impacto. O cordame orgânico emanava um cheiro almiscarado e agridoce, recheado de refeições mal digeridas, engolidas às pressas. Álvaro vomitou sonoramente. “Preciso ligar... Ligar para o “patrón...”
Começou a voltar para a boléia com todos os espectros de cores da náusea lhe tangendo a vista. Até que percebera que alguém havia rasgado a lona negra que protegia sua carga da intempérie. Curioso, afastou as cores do cérebro e examinou por debaixo da lona que vacilava com o vento. Eram caixas de metal prateado, perfeitamente retangulares, com quatro alças, travas simples, semelhantes às de maletas executivas. Notou que o saque produzira espaços vazios, as caixas laterais deslizaram com o peso de seu conteúdo por cima das lacunas das companheiras. Escorou-se nas tábuas de contenção da carga e lentamente escorregou até conseguir apoiar as mãos sobre os joelhos. Devolveu outra parte do almoço.
- Álvaro! Álvaro, venha cá. – lhe chamara o chefe da oficina onde estava empregado, seu contato com o dinheiro fácil.
- Sim “patrón”, eu já olhei os carburadores do Volvos.
- Ótimo. Agora preciso que você me ajude a verificar o óleo da Toyota vermelha. – era o sinal de que algum trabalho havia surgido. A Toyota vermelha vivia com um vazamento que nunca era arrumado, uma questão de conveniência. Apenas duas pessoas eram necessárias para fazer o serviço, e o serviço abundava na oficina. Com o rádio alto e todos ocupados, cochichos e bilhetes podiam ser trocados sem problema.
- Escute Álvaro. A coisa é grande agora. Eu poderia chamar o Farías, mas ele não tem a experiência que tu tens. Me dá a 3 polegadas. – dissera o chefe embaixo da Scania, verificando qualquer coisa, com o bigode cheio de óleo, dando a entender que óleo era o seu café da manhã.
- Sim. Sim “patrón”.
- A polícia não pode te pegar Álvaro. Se te pegarem tu não sabe de nada, entendido? Tu só atendeu uns telefonemas e precisava de dinheiro. – O bigode saiu debaixo da Toyota e maldisse com toda retina. – Se tu contar, por mais morto que tu fique, sempre há mais dor pra se sentir... Me entendeu Álvaro? Os mortos vivem nas pessoas vivas. Me entendeu Álvaro?
-Sim... Sim “señor”.
- A carga não deveria ser essa. – disse voltando para baixo do eixo. – Se alguma coisa acontecer, me liga no ato entendido? – O chefe pegara o macaco mais velho. Álvaro imaginou o macaco cedendo com um empurrão seu, e o chefe se contorcendo debaixo do peso de seis toneladas concentradas no eixo. “Só mais esse. O último Álvaro!” Dissera para si mesmo.
Álvaro entendeu e recebeu as instruções para pegar a Scania carregada no estacionamento clandestino. A chave fora quebrada. A cabeça de plástico presa a um chaveiro de uma empresa de telefonia falida estava entre os pneus da caçamba. Álvaro usou um pauzinho para fisgar ela. O corpo de metal com a combinação da porta da boléia estava atrás de uma grade enferrujada por onde corria a água das calhas de zinco vagabundo. Álvaro usou um imã que carregou com a ajuda de uma bateria, amarrado a um barbante.
Ele teve muito medo enquanto soldava a chave, com um soldador pequeno de estanho que trouxera no seu carro. Estava muito protegido, muito bem guardado. Era algo sério demais. Ainda bem que seria a última vez.
*Redial*
Cinco “tus”. Nada.
*Redial*
Cinco “tus”. Nada.
O chefe não atendia. Foda-se que eram três e meia da manhã. Ele sabia da carga! A mente de Álvaro fervilhava.
*Redial*
Cinco “tu... – Ahn? Alô? - uma voz emplastrada de sono atendeu. Álvaro reconheceu as bolhas de óleo no tom de voz do chefe.
- “Patrón!” Preciso falar com o “señor”.
- Álvaro! Chegou com a carga?
Álvaro contou tudo.
- Busque a carga! Busque a carga! BUSQUE A CARGA! – berrava.
- Mas eu não sei onde estão as caixas!
- Procure seu bosta! Não me importa se alguém malocou essas caixas no cu de um mosquito. TU-VAI-ACHAR-ELAS! Quantas caixas levaram?
- Acho que umas três, “señor”. E se alguém parou de carro e levou elas? Como vão saber onde estão?
- PROBLEMA É SEU ÁLVARO! ACHE AS CAIXAS! ACHE-AS-CAIXAS!
Desligou. O ruído da chamada encerrada nunca fora tão opressivo. Álvaro sentou no chão e começou a chorar. “Como vou achá-las? Como, por Deus?”. Tinha que achar as caixas, não tinha escolha. Se não achasse, ligaria para sua mulher para que saísse de casa incontinenti e fosse para a casa da sogra. Mas tinha que tentar achar as caixas de metal. Valiam a mudança da aldeia de qualquer jeito, mas de um jeito seguro e feliz.
Resolveu tomar alguma atitude e foi examinar novamente os fundos da caçamba. Eram mesmo três caixas que haviam sido saqueadas. Passou a mão por cima de uma caixa que ficara e percebeu que ela tinha marcas, como se a caixa que estava em cima tivesse sido puxada. Olhou para o chão e viu claramente as marcas de alumínio no asfalto, indo para a direita, atravessando o acostamento em direção ao bosque alto que de dia não estava lá. A trilha era salientada pelo mato ralo amassado, provavelmente pelo peso das caixas. Álvaro tremeu. Teria que ir lá.
Deu uma busca na boléia atrás de uma lanterna, elemento básico de qualquer viagem e encontrou uma no porta luvas no meio de lixo e jornais velhos. Grande, com alça e pilhas. Deitado sobre o banco largo da boléia ele checou se funcionava, a lâmpada e o refletor, tudo parecia em ordem. Certamente se sentia mais seguro detrás do foco forte e largo da lanterna. A luz branca acidentalmente iluminou um jornal velho riscado por dobras. Era um ¡Alarma!, um tablóide famoso pelas fotos chocantes de acidentes de trânsito e assassinatos. A folha amarelada retratava homens em branco retirando pedaços vermelhos de um carro esfacelado. Álvaro fantasiou que seu chefe era a cabeça bigoduda da página dois e sentiu melhor. Armou o triângulo de emergência na distância regulamentar, perguntando-se o porquê, já que não viu ou sequer ouviu outro veículo. Ligou a lanterna e avançou na trilha do mato amassado.
Começou a caminhar na trilha inventada pelas caixas, ele ainda nutria alguma esperança, mas a trilha seguia, levemente sinuosa, para as árvores mais a frente. O terreno estava macio, meio úmido, e era um declive sutil que se acentuava mais perto da sombra das árvores sob a lua. Avançou até que sentiu algo se quebrar sob a sola fina do seu tênis. Alerta, deu um pulo para trás e focou os 75 watts e dois milhões de velas da lanterna para o caracol em que havia pisado. “Ah, ‘che bosta!”. Seguiu.
O mato era mais alto do que imaginava. O declive justificava a dificuldade da detecção do bosque. A estrada estava num nível topográfico bem mais alto, só poderia ser um aterro. O bosque, portanto, era um pântano, fato confirmado quando Álvaro sentiu suas meias molharem.
- Meeerda. – praguejou alto.
Inconsolado, quebrou um galho seco a título de bastão-teste e avançou enfiando a base do bastão na lama úmida. A trilha larga das caixas seguia decididamente pântano adentro, passando por cima de raízes aéreas, galhos mortos e tocas de pequenos animais. A lua não tocava o solo do alagado salvo em raros pontos, assim, a lanterna nunca fora de maior valia, embora sua luz não perfurasse todos os galhos e troncos do bosque denso. Álvaro notou com algum receio que haviam pegadas de animais sobre o rastro estéril das caixas. Pequenas marcas curvas de alguma carapaça com pernas, impressões rastejantes em “s” que eram difíceis de interpretar, marcas ovais da barriga rugosa de um sapo, uma correição, ainda com alguns participantes deixados para trás. Uma miríade de insetos e animais de sangue frio que saem à noite, filhos da umidade, espreitando debaixo dos troncos lamacentos, nos buracos das árvores, agourentamente esperando um acidente, um descuido da próxima refeição crua e sem gosto.
Álvaro apressou o passo. Realmente não gostava do lugar, dos ruídos, da água suja, dos olhos que brilhavam no escuro e da noite. Ainda se perguntava de onde surgira o cão gigante que atropelara.
Álvaro caminhava já fazia algum tempo. Por três vezes a lanterna e o bastão lhe falharam e ele pisou em poças d’água profundas, até o joelho. Na última vez, o pé direito tivera o azar de acertar uma raiz submersa e torcer. A dor o fazia mancar um pouco, mas ele seguia pela trilha das caixas. “Mas que maldito calvário interminável.” Até então única, a trilha entrava num “T” abrupto à frente, a primeira bifurcação. Álvaro parou examinando as possibilidades. A trilha das caixas igualmente se bifurcava, uma virando 90 graus e a outra seguindo reto para uma curva suave mais adiante. Ele estava suando com o esforço. O terreno estava pesado por causa da lama e suas pernas e calças jeans estavam impregnadas dela. Estava gordo, pesando cerca de 20 quilos acima do normal. A torção no pé só tornara as coisas piores e doloridas. Ele precisava de um descanso, mas onde? Forçou a vista apontando a lanterna para o destino da trilha dos 90 graus e pensou ter visto um brilho. Forçou mais a visão e resolveu desligar a lanterna. Quando sua visão se acostumou com a escuridão notou uma luz enfraquecida, mato adentro, a cerca de 30 metros e palpitou.
Ligou a lanterna, mas desta vez não a apontou para a luz mínima, e sim para a trilha. Começou a caminhar com o bastão na direção da entrada da bifurcação, olhando seguidamente para o lado, para a luz. Até que sentiu uma dor aguilhoante perfurar os músculos da panturrilha. Automaticamente em desespero, olhou para o foco da lanterna. Uma cobra escura de tamanho respeitável lhe abocanhava a calça imunda de lama, inexpressivamente. Álvaro gritou enquanto entrava em surto e atirou a lanterna e o bastão no chão, se inclinando e apertando a cobra com toda sua força. Puxou até arrancá-la de sua perna, então ela se torceu habilmente e se fixou na sua mão direita, como uma lampreia. Álvaro berrou de novo, agora se contorcendo na lama. Apertou o dedão esquerdo contra a faringe do réptil com toda sua força. Lentamente, ela começou a perder força e ceder, sufocando, e ele enfim a teve sobre o controle. Apertou-a com as duas mãos e começou a bater a cabeça dela contra as árvores, sentindo o sangue frio respingar-lhe na face, no escuro. A lanterna focava o nada.
Desistiu de se manter limpo e sentou-se no chão, a cobra morta ao seu lado. Em pânico, começou a verificar as marcas da mordida dela. Haviam duas maiores, seriam injetoras de veneno? Olhou para os restos da cobra, e viu que fizera o trabalho bem. Não havia como identificar o formato da cabeça ou o tamanho dos dentes. Sem a certeza de estar envenenado, voltava para o caminhão ou seguia? Olhou para a luz e resolveu seguir, estava bem mais próxima. Levantou-se e verificou que a lanterna estava suja após ter caído na lama. Limpou-a do melhor modo que pode e seguiu manquejando bastante.
Ao chegar na luz miserável, sadisticamente deparou-se com uma das caixas. Estava arranjada como um altar macabro, sobre um solo pavimentado de tijolos há muito esquecido, coberto de musgo verde. Sobre a caixa haviam velas escuras que ardiam sua luz anêmica sobre alguns papéis velhos e cobertos de garranchos, moedas e notas antigas e uma faca comum, de cozinha. Ao lado, sobre uma vasilha de barro simples uma cabeça de cachorro sem a pele olhava vitrificada para o vazio com os olhos saltados sem pálpebras. Acima, uma rizófora propiciava um crucifixo para um cadáver humano. Pregado sobre os galhos com os braços abertos estava o corpo de uma velha, com cabelos compridos que lhe caíam sobre o rosto. Nua, com a tradicional incisão em “Y”, as dobras de sua pele branca a tornavam familiar ao pântano e aos anfíbios que o habitavam. Álvaro ficou paralisado de horror.
Tentou se recompor após os dois minutos iniciais do choque. Percebeu que havia urinado nas calças. O veneno embotando-lhe o raciocínio sem perceber. Olhou para a caixa, as travas estavam abertas. Elas conteriam uma oferenda dessas? Não. Não podia ser. Virou a face para a velha, examinando-a com o máximo de consciência possível. O “Y’ indicava que ela fora examinada por um legista. Logo...
-Do necrotério! Eu estou levando cadáveres do necrotério! – falou para si mesmo.
Por quê? Para quem? Universidades? Matamoros não tem universidades. Será que alguém sabia? Será que o cachorro não fora simplesmente um acidente? Por que justo aqui me interceptaram? Por que fizeram isso com o corpo? Então se lembrou da do jornal velho abandonado no caminhão, o ¡Alarma! A manchete da cabeça decepada ligada ao culto de traficantes de drogas de Adolfo Constanzo lhe fez tremer totalmente. O culto granjeara vasta notoriedade pelos seus sacrifícios humanos ritualísticos, aparecendo em todas as mídias, impressas e gravadas da América Latina. Era sabido que a polícia jamais conseguira eliminar o culto e que alguns assassinatos ainda ocorriam dentro das fronteiras mexicanas. Álvaro subitamente saiu da letargia e foi até o altar estendendo a mão para os papéis sobre ele. Mas sentiu um forte formigamento nas pernas e no braço direito. Sabia que era o veneno da cobra fazendo efeito. A meia distância, caiu. Continuou engatinhando até o altar e pegou os papéis.
As palavras no papel não faziam sentido. Sua mente não conseguia organizar elas corretamente. Em meio ao silêncio da tentativa, ouviu murmúrios ao longe. Tentou se mover, mas já não detinha controle sobre qualquer músculo abaixo da cintura. As vozes se aproximavam numa velocidade superior à de alguém caminhando num pântano como aquele. Começou a convulsionar, a mente perdida em pensamentos deformados pela toxina. Viu três vultos com roupas longas brancas vindo na direção do altar. Carregavam círios vermelhos e incensórios. Os rostos eram escuros e indivisíveis, e entoavam uma espécie de cântico, numa língua estranha a seus ouvidos.
“Ex cruor ut cruorem, Sator, addo mihi Mos facio quaedam nos.”
“Dolor est a charisma, dolor est a charisma, dolor est a charisma, dolor est a charisma.”
Álvaro sentiu uma dor aguda no lado esquerdo do peito e bolhas de saliva salgada preencherem-lhe a boca enquanto as figuras notavam sua presença e vinham em sua direção, agora silenciosas, a distância diminuindo rapidamente. Quando lhe tocaram, Álvaro caiu num sono sem sonhos.
Álvaro Mendez Gatín acordou após uma noite de sono. Esperou a enfermeira entrar no quarto e ministrar-lhe os medicamentos prescritos. Ela notou que ele olhava fixo para o teto do quarto e que havia se defecado e urinado novamente durante a noite. Ela sabia que o paciente tinha os pesadelos, todos os médicos da clínica sabiam dos horrores pelos quais ele havia passado e dos quais nunca se recuperara. Era um paciente antigo. O médico tinha a transcrição da fita. O pesadelo se repetia sempre, e ele usava as mesmas palavras sempre. O que ela não sabia, nem ninguém da clínica, é aquele seria o último dia de Álvaro Mendez Gatín. O alvorecer seguinte ele assistiria enforcado na cabeceira da cama.