"O Negro Caetano", por Samuel da Costa
Em memória de Miguel Maria da Costa
I
Era um silêncio constrangedor que se abatera naquela mesa, embora o requinte da mesma sugerisse que aquele seria uma família abastada, dos talhares de prata aos cristais importados. Mas o que permanecia na cabeça das pessoas ali sentadas eram os gritos ensurdecedores de horas antes.
Na mente do coronel Adamastor de Sousa Andrade, aquele negro tinha ido longe demais ao afrontá-lo em público. Por isso, tinha que chicoteá-lo
-Aquele negro maldito teve o que mereceu – resmungou o velho coronel, sem levantar a cabeça.
Sua mulher, já com a saúde frágil, decide ficar quieta, como também a filha do casal Sousa Andrade. Já não bastara ver seu único filho homem criado com tanto zelo voltar-se contra ele?! Logo Adamastor, monarquista e escravocrata convicto, não poderia abrigar em seu lar um republicano e abolicionista, mesmo que fosse seu filho.
Não restou-lhe outra saída senão expulsá-lo de casa. O fato de não saber aonde tinha errado na educação daquele menino deixou Adamastor profundamente magoado. E, sentado à mesa, ainda ressoavam na cabeça do velho coronel as palavras do negro Caetano posto no tronco:
-Vos mercê vai morre por dentro coroné!
Aquelas palavras foram demais. Ele tinha que pegar na chibata e pessoalmente dar uma lição no mondongueiro. Tinha que chicoteá-lo até a morte, em público, para que todos soubessem que quem realmente mandava ali era ele, ‘’Adamastor’’, e ninguém mais.
II
Atordoada pelo efeito do álcool, a mente de outrora coronel Adamastor de Sousa Andrade trazia as lembranças das palavras do negro Caetano:
-Vos mercê vai morre por dentro coroné!
Maltrapilho e macambúzio, perambulando pelas ruas da cidade, o velho coronel revê em sua mente a mulher e a filha, acometidas de uma doença misteriosa, morrerem lentamente. E revê na sua combalida mente seu filho e adversário político vencê-lo na política.
Contudo, o que mais doía no peito no velho curumba foi ver sua fazenda de café, uma das melhores da região, arruinar-se por causa de uma praga, que ele jamais vira antes na região. Aquilo significava, realmente, que ele tinha morrido por dentro.