"A Casa dos Segredos", por Marcelo dos Santos

 

    A manhã havia sido iluminada por um sol fresco. Um sol que há muito tempo não era visto naquela cidade. Porém com o passar do dia, as gloriosas nuvens foram cobrindo aquela beleza natural que sorria para o dia.

Era quase seis horas quando Madeleine saiu do seu trabalho. Um escritório de Arquitetura na frente de uma lancheria onde sempre almoçava. Ao atravessar a porta, sentiu um friozinho lhe banhar de arrepios e quando elevou os olhos para o céu, vislumbrou o negror de uma tempestade que se aproximava. Entrou no carro e foi reto para casa, e nem sequer se lembrou de passar no mercado para comprar comida para o jantar. Seu marido, Ian, já devia estar em casa e provavelmente estaria arrumando alguma coisa que passara despercebida quando haviam comprado o imóvel, cerca de um mês atrás.

Quando chegou em frente ao portão negro de sua magnífica mansão, Madeleine sentiu alguns poucos pingos lhe molharem as costas. Subiu as escadas e entrou rapidamente pela porta que estava entreaberta.

   A velha mansão metia medo em todos os transeuntes existentes no bairro e nas suas imediações. Ela estava abandonada havia anos e todos as pessoas que volta e meia visitavam a velha mansão a fim de firmar moradia, acabavam, de uma forma ou de outra desistindo de sua aquisição, por que segundo eles, quando vistoriavam alguns aposentos sozinhos, ouviam vozes e viam coisas que juravam ser de outros planos de existência. Por sua vez, os donos da imobiliária ao qual pertencia a casa, jamais haviam provado de tais sensações e pensavam que por estar velha, as pessoas usavam a possível assombração como desculpa para não ficar com ela. Mas Madeleine e Ian jamais entraram na casa, e quando a viram externamente, decidiram que seria aquela a futura moradia de seus filhos. Foram até a imobiliária e adquiriram o imóvel por um preço irrisório.

    A casa finalmente via vida depois de muitos anos. Com uma pintura nova e com fortes ajeitadas no jardim, sua silhueta finalmente externou sinais de beleza, deixando até mesmo os vizinhos com os cabelos em pé ao verem tal exuberância.

    — Amorzinho! — gritou Madeleine ao entrar em casa.

    — Oi meu bem, estou aqui na cozinha.

    Ela dirigiu-se até lá e olhou seu marido debaixo da pia.

    — O que estava fazendo ai Ian?

    — Arrumando o encanamento. — Ele saiu debaixo da pia e de cócoras dedicou-se a explicar a ela. — Assim que cheguei percebi que tinha um vazamento ao ver a cozinha inundada de água. Fui olhar e notei que era o cano que tinha se desprendido.

    Ela assentiu e foi para o banho.

    No jantar, Ian começou a falar sobre uma possível viagem de negócios que faria. Madeleine não gostou nada da noticia e assim que acabou de comer, deslizou-se para um dos sofás.

    — Mas por que tem que ser justamente você?

    — Ma, entenda que lá na empresa sou eu quem faz essas negociações com os ricaços, e não me resta outra opção.

    — Se você ganhasse bem pelo menos...

    A chuva chicoteava os telhados da velha mansão. Ventos fortes davam a sensação de fim do mundo e pelas janelas, as arvores pareciam monstros dançando canções de metal. Trinta minutos antes de dormirem, a luz se ausentou.

    — Ian, onde você colocou o pacote de velas.

    — Está na porta do corredor. A da dispensa. Deixe que eu vou lá pegar — disse ele.

    O breu tomou conta dos olhos do casal e apenas quando os raios riscavam a penumbra é que podiam ver alguma mínima claridade. Tateando as paredes, Ian dirigiu-se até aquela porta. Os pingos e os ventos continuavam metralhando a casa e nada além daquela tempestade podia se ouvir.

    Quando sentiu a maçaneta, Ian abriu a porta e seguindo a sua intuição, invadiu aquele cômodo até o final. Tirou uma caixa de cima de uma dispensa e vasculhou aqueles escombros de entulhos. Com a mão mergulhada em objetos não identificáveis ao tato, Ian sentiu um barulho vindo do interior do cômodo. Parou por um segundo. Abaixou-se e ficou deitado, tentando inutilmente avistar o inavistável. Dois segundos depois, antes de pensar em levantar, algo saiu daquela penumbra e correu sobre seus dedos e braços. Rapidamente ele tirou a mão, levantou e tentou forçadamente capturar aquele maldito saco de velas. Mexia ligeiro em tudo aquilo, inclusive derrubando algumas coisas penduradas na parece. Ele estava de costas e antes de parar de vasculhar, sentiu que um frio lhe tocava a nunca. Era como se fosse uma respiração. Havia alguém atrás dele, mas limitou-se a afastar esse pensamento macabro de sua cabeça.

    Ian ficou inerte e quando pensou em virar para trás, pegou uma barra que imaginou ser de ferro e segurou firme, certo em usar caso fosse necessário. A respiração ainda continuava às suas costas e quando ele estava pensando em virar, uma mão pairou em seu ombro, acompanhada de uma voz fraca, que lhe invadiu os ouvidos.

    — Amor, conseguiu achar as velas?

    — Que sustou Madeleine! Por pouco eu não arranco sua cabeça com uma paulada. Da próxima vez avise que esta atrás de mim.

    — Desculpa, mas eu não estava atrás de você.

    — Como não. Era quem?

    — Eu não sei, mas eu não era. — fortaleceu ela.

    Madeleine se abaixou e pegou as velas que tinham caído no chão. Levantou e voltou-se para seu marido.

    — Achei as velas. Venha, vamos para a cozinha.

    Ele fechou a porta e saiu atrás de sua mulher, onde na cozinha, acenderam a primeira das muitas velas da noite, enquanto a chuva continuaria caindo.

    Antes de dormirem, quando Madeleine saiu do banheiro em direção ao corredor, sentiu que talvez alguém estivesse lhe vendo. Mas antes que pudesse se permitir a pensar verdadeiramente nisso, entrou no quarto, onde Ian já estava dormindo, e fechou a porta no nariz de alguém. Alguém que eles não sabiam quem era.

    Logo que acordaram e tomaram o seu café, Madeleine e Ian constataram o estrago que a tempestade da noite anterior havia feito. Ainda chovia, mas apenas garoas acompanhadas de uma forte neblina se fazia acontecer. Os dois foram trabalhar logo depois das oito da manhã.

 

    A viagem de Ian estava marcada para as dez horas da noite. Eles ainda se promoveram a uma fantástica noite de prazer e amor antes de deslizarem até o aeroporto.

    — Boa viagem, meu bem.

    — Cuide-se e qualquer coisa me liga.

    — Pode deixar. — ela beijou sua boca suavemente.

    Ao retornar pra casa, Madeleine foi para a cama decidida a dormir. Ou tentar. Seus olhos não conseguiam se render ao sono. Prenderam-se no teto e ela acorrentou-se em vários pensamentos sobre as escalas de sua vida. Mas antes da meia noite chegar, ela não resistiu e adormeceu.

    — Quem está ai? — disse ela.

    Tinha ressurgido de um pesadelo.

    Tentou voltar ao sono, mas foi em vão.

    Os primeiros ruídos da noite vieram do teto. Era como se fossem passos nervosos. Depois, como se algo estivesse fora de ordem, Madeleine começou a ouvir algumas vozes de crianças e quando olhou para a porta sentiu que a maçaneta se mexia. Deitada na cama, ela se encolheu e temeu estar delirando. As paredes talvez estivessem se mexendo e ela não fez outra coisa senão jogar a cobertor por cima do seu corpo. A porta se abriu.

    Os passos que antes estavam no teto agora eram sentidos no chão, como se estivessem vindo do corredor. As vozes de crianças ainda lhe invadiam o crânio. De olhos fechados sob o cobertor, Madeleine sentiu quando algo ou alguém alisava seu corpo. Desejou mais do que nunca a presença de Ian em seu leito e quando viu que isso era impossível, começou a rezar. Mas as rezas talvez fossem em vão e segundos depois sentiu que a cama estava se movendo. Encolheu-se ainda mais e como num momento súbito, sentiu-se encorajada em dizer algo.

    — Quem... quem está ai? — sua voz tremia, como o corpo.

    Segundos depois tudo parou. Um silencio tomou conta do ambiente. Aos poucos Madeleine foi tirando o cobertor de cima do seu corpo e foi abrindo os olhos com certa hesitação.

    Aquela mulher estava tomada de medo.

    A passos lentos, dirigiu-se até a parede e ligou a luz. Uma claridade ofuscante lhe cegou por milagrosos segundos e quando retomou a visão com maior decência, desejou jamais ter olhado. A cama estava no mesmo lugar. Essa foi a primeira coisa que conseguiu identificar. Mas além disso visualizou uma enorme mancha de sangue sobre o cobertor. A mancha descia pela cama e tomava conta do quarto como se fosse o rastro de uma serpente maldita. Ela percorreu com o olhar aquela macha e viu que atravessava a porta, perdendo-se corredor afora e descendo as escadas. Seguiu a macha, temendo algo que não imaginava o que seria. Despenteada e com a camisola toda amassada, Madeleine percorreu o mesmo caminho que a língua de sangue havia percorrido. Assim que desceu as escadas, sentiu que um ar frio vinha acariciar seu pescoço. Temeu não ser o ar e virou rapidamente para trás, mas não viu nada de anormal. Mas quando virou pra frente sentiu que um vulto sumia pelo corredor de baixo. Estancou. Com a mão no corrimão, passo por passo, foi seguindo aquele rastro com mais hesitação ainda e quando pos os pés no corredor, frente a porta de entrada da casa, virou-se para a esquerda e percebeu que a língua de sangue tinha o seu destino.

    Continuou seguindo-a, e notou que ela descia pela porta de acesso ao porão. Mas a porta estava fechada. E quando chegou em frente, esticou a mão até a maçaneta. Madeleine estava com o coração saltando de medo, mas sentia-se curiosa em seguir em frente.

    Hesitou antes que pudesse fazer qualquer coisa. Tudo escuro na casa, nenhum ruído mais era possível ser ouvido. Retornou ao quarto e deitou-se, imaginando o que realmente teria naquele porão. Amanha terei que limpar todo aquele sangue, pensou Madeleine. Dormiu aos poucos, lutando contra uma idéia de medo e de terror.

    Quando acordou no outro dia, não conseguir ver nenhum rastro e nenhuma mancha de sangue em piso algum. Lutou contra a idéia de que estava delirando, mas comprovou que não estava quando detectou pequenas machas de sangue na maçaneta da porta que descia para o porão.

 

    — Como foi de viagem? — perguntou ela.

    — Ótimo. Estou quase ciente que coisas boas vem por ai. E você, como foi a sensação de ficar sozinha pela primeira vez?

    Eles nunca tinham ficado separados depois que se casaram e Madeleine pensou em como tinha sido ótima a sua estadia em solidão dentro de sua própria casa. Pura ironia.

    — Você nem imagina como foi bom! — não sorriu.

    No mesmo dia em que Ian voltou de viagem, a noite, ela também não haveria de sorrir. Logo após acabarem o jantar e lavar a louça, socorreram ao sofá para tentar matar a saudade um do outro. Mais tarde quando tudo indicava que haveria de ser assim, decidiram dormir.

    Na cama, Madeleine esperava Ian voltar do banheiro. Era interessante como eles se amavam. Um casal tão jovem, tão solicito um ao outro. Quando ele retornou ao leito, puxou o cobertor por cima deles e lembrou-se de algo.

    — Amor, você se lembra onde está aquela minha pasta preta que eu uso para levar documentos? Eu nunca mais a usei...

    — Não tenho a mínima idéia — falou ela

    Ian esperou um segundo até lembrar de onde ela estava.

    — Já sei onde está. Vou lá pegar e já volto. — levantou.

    — Mas onde está? — perguntou curiosa.

    — No porão. Levei algumas coisas velhas pra lá esses dias.

    Madeleine sentiu a respiração faltar e temeu pelo que viria sem ao menos saber o que era. Seu coração acelerou e o medo novamente invadiu sua mente.

    — Deixe para amanhã, amor, agora está tarde e...

    — Vou pegar agora, assim não me preocupo amanhã. Já venho — respondeu Ian.

    Saiu corredor afora, deixando Madeleine angustiada na cama. Ela sentiu um barulho na janela. Era o vento. Estava começando a chover e embora não fosse uma tempestade de dias atrás, era uma intensa e envenenada forma de lavar os telhados e as ruas com certa precisão e força. A chuva ia aumentando, junto com os trovões e os relâmpagos.

    Cerca de uma hora havia se passado e nada de Ian voltar. Madeleine, com a angustia lhe percorrendo as entranhas, decidiu ir atrás dele. Quando foi chegando junto a porta do porão, percebeu que ela estava aberta, totalmente. Chegou em frente e sentiu o clarão dos raios e trovões virem de suas costas. Pos o primeiro pé na escada que descia rumo àquele negror. Estava tremendo e pensou por um segundo que ali jazia o inferno.

    Foi descendo cada degrau com certa dor no estomago e com uma certa respiração deficiente. Um frio se desprendia daquele ambiente e um cheiro embolorado de mofo lhe agredia as narinas.

    — Ian, você está ai?

    Não obteve resposta. Quando chegou ao último degrau, lá embaixo, antes de por o pé no chão, ouviu um barulho vindo da esquerda. Nada de claro havia a sua frente, exceto a claridade da porta que descia lambendo as escadas.

    — Ian, por favor, deixe de brincadeira...

    Mas o que Madeleine não sabia era que Ian não estava de brincadeira. Ele nem estava...

    Ela foi até uma parede e ligou a luz. A sua frente estava estampada a imagem do horror. Madeleine gritou.

    — Ahhhh...

    Ian, ou que deficientemente podia ser ver de sua silhueta, estava num canto daquele porão. Seu pescoço estava decepado e pendia para o lado. Ele ainda tinha os olhos abertos, mas estava sem um dos braços e com o corpo coberto por uma sangueira que saltava aos olhos de Madeleine. Ela quase vomitou, mas não se sentiu capaz. Aquela imagem macabra de seu marido morto de forma brusca, encheu-lhe de medo. Ela nunca mais teria Ian em seus braços.

    Madeleine voltou a gritar quando levantou os olhos e viu uma silhueta vir em sua direção. Vestia preto e vermelho, nas mãos trazia uma foice com sangue fresco lhe escorrendo — sangue do seu marido. Enquanto a chuva esbofeteava as casas lá fora, o medo se encarregava disse ali dentro.

    — Quem é você? — tentou respirar — Seu maníaco...

    O assassino de Ian nem sequer pensou em responder, e esquartejou Madeleine antes que ela pudesse fazer alguma coisa. Com a foice ele cortou seu pescoço e jogou a cabeça dela longe. Arrancou seus braços com fúria e abriu as suas pernas, quebrando-as. Feito isso, arrancou seus olhos e levou-a até um outro canto do porão, onde tinha cerca de quinze ou dezesseis corpos — ou o que um dia fora corpos. Depois fez o mesmo com Ian. Após isso, ele pegou um braço de cada um e sentou-se no chão, encostado na parede. Seu manto preto e vermelho se confundia com o sangue que saia dos braços daquele casal, que agora ele comia com uma fome jamais vista antes. Um sinal mortal do canibalismo daquele ser infernal.

    A chuva continuava a cair lá fora e mais nada além de carne, osso, sangue e terror, jazia dentro daquela mansão inundada de trevas. O homem, ou aquilo que degustava com os próprios dentes os braços daquele casal, subiu as escadas e fechou a porta do corredor. Depois desceu para seu leito, enterrando-se no inferno do seu doce aposento mergulhado em sombras.

 

    — É, na verdade a casa esta abandonada a alguns anos, até foi reformada pelos seus últimos moradores. Ela teve o jardim embelezado, as grades arrumadas e fora pintada de cabo a rabo.

    — Mas por que uma casa tão grande e bonita está abandonada?

    — Olha só, como dono desta imobiliária, posso dizer que vocês jamais farão um investimento tão bom quanto esse. — explicou-lhes Michel, o mesmo homem que anos atrás havia vendido a casa para Madeleine e Ian.

    Aquele casal sentado em sua frente se entreolhou e em seguida soltaram um leve riso. O homem olhou para Michel e com um assentimento, falou:

    — Vamos ficar com ela.

 

    Assim que entraram na casa ficaram deslumbrados com o tamanho dos cômodos e quando foram para o jardim , admiraram-se com a imensa piscina.

    — Finalmente seremos felizes aqui — disse a mulher ao seu marido, abraçando-o.

    — Finalmente mesmo.

    Mera ilusão. Na primeira noite na casa, após fazerem o que seus desejos e sentimentos mandavam, o casal tentou dormir. Apenas tentou. Antes que a mulher pudesse fechar os olhos, uma serie de sons lhe invadiu a mente. Os mesmos que Madeleine ouvia.

    — Está ouvindo? O que é isso?

    — Isso o quê? — perguntou seu marido.

    — Esses barulhos. Parecem crianças gritando... Escute os passos!

    Sentindo-se perturbado, o marido saiu da cama e foi averiguar o que a sua esposa estava detectando. Quase uma hora havia se passado, e então a mulher levantou e foi atrás dele.

    A porta do corredor que dava para o porão estava aberta.

Tópico: "A Casa dos Sengredos", de Marcelo dos Santos

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Hummm... Misterioso e impiedoso... Claro,Michel... Um charme e um disfarce... Suavizei cada mínimo detalhe... Hummm... Sabe Mr.Marcelo, daria um bom filme... Ou certamente temporadas sanguinárias... Bom... Admito. Obrigada.

História

Bom bom cara, adorei a história. Que tal uma contando quem é o ser misterioso e a sua origem? Seria demais!

Darksupernatural

Historia

Nossa cara, adorei a historia! Ta de parabens, muito assustadora!!

História

Nossa muito boa a história parabéns!!

História

Cara tô com medo até agora ! Muitoo show ! ♥

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