"Vítimas Noturnas", por Paulo Valença

1

 

    No primeiro andar, no terraço, Júlia fica seguindo-o com os olhos analíticos. Para onde vai D. Myrtes a essa hora da noite? Sempre ao último dia de cada mês, ela ganha a rua, à mesma hora, nove da noite, como se tivesse um compromisso... Mas, o que tem ela, Júlia, uma simples empregada caseira com a vida da patroa? D. Myrtes é nova, bonita, merece, e tem o direito, de curtir a vida, ir para onde bem quiser! O melhor que faz é deixar de xeretar a vida alheia. Sorri, e retrocede ao interior da residência. Precisa lavar os pratos, talheres e ainda fazer a arrumação da cozinha, se reentregar à tarefa diária.

    - Quem me mandou nascer pobre? E, sem estudo...

    Sim, tem, e deve, se contentar com o emprego, seu “ganha-pão” certo, que a ajuda a manter a casa, com a colaboração do marido, o Pedrinho, ajudante de mestre-de-obras.

    Cantarolando, lava a louça. De uma casa próxima, um cachorro late, pedindo a liberdade. A água desce e as mãos escuras correm a bucha sobre os pratos. Mas, para onde vai mesmo à patroa?

    - Um dia, eu descubro.

    Fecha a torneira e põe o último prato no escorredor.

 

2

 

    O automóvel roda macio, devagar. A mulher à direção segue os passantes no calçadão à beira-mar, com o mar de ondas nervosas vindo morrer na praia deserta, próxima. Sim, analisa os pedestres, principalmente os homens solitários. E ante a figura alourada, grande, atlética do rapaz no abrigo sozinho, sorri, antevendo a cena de logo mais.

    - Quer uma carona?

    O carro preto, importado. O rosto alvo. Os olhos negros. Os cabelos longos, sedosos. O sorriso de covinhas numa promessa... Como não aceitar o convite que se lhe apresenta como o chamado ao prazer?

    - Aceito.

    A porta se abre. Fecha-se. E o casal se afasta na noite que envelhece, como se nada testemunhasse.

 

3

 

    O corpo repousa, exausto ao lado. A cabeça arreada sobre o peito largo. A respiração ritmada. Os dois furinhos paralelos ao lado esquerdo do pescoço, já arroxeados...

    Ligando o carro Myrtes afasta-se ainda sentindo nos lábios entreabertos o gosto adocicado do sangue sugado da vítima, após a carícia manhosa e o súbito ataque dos seus caninos que de repente crescem pontiagudos, sugadores.

    - Por este mês já basta.

    Fala baixinho, dando voz ao que sente. Agora, só para o mês. Sorri e prossegue dirigindo, sentindo o corpo mais forte, na energia adquirida.

    - Poxa! Agarrei no sono...

    - Depois do amor, sempre nos dar o sono. Isso é normal, querido.

    - Pois é. Mas, para onde me leva?

    A voz dele (mais fraca?) indaga. Ela responde:

    - Está bem ali na esquina?

    - Certo, minha garota sexy.

    Myrtes volta a sorrir, iluminar as faces com as covinhas graciosas. Então, a porta se abre e o rapaz saltando:

    - Quando a gente se ver de novo?

    - Você é quem determina...

    - Me passa o número do seu celular.

    Abrindo a bolsa ao ombro, ela então retira o papelzinho e entrega-o. Feito o quê, o carro novamente se afasta, perdendo-se na noite, enquanto o jovem erguendo a mão, com a palma desta, esfrega-a o pescoço, sentindo-o dolorido.

    - A “gata” é muito quente: mordeu-me!

    Fricciona o pescoço. Pensativo, com uma repentina dúvida.

    - Ela me mordeu, como uma vampira.

    Uma vampira...

    A dúvida persiste. Inquietando-lhe a alma.

Tópico: "Vítimas Noturnas", por Paulo Valença

...

Poético? Aterrorizador e irônico? Hummm... Uma dama andando sozinha, tarde da noite... Mas o simples e adocicado ar da senhorita noturna ser uma vampira delicada e inteligente... Perde o auto contexto do terror.
Mas, me parece um conto não para jovens agitados e curiosos, mas sim a uma sociedade que atente ao mistério e ao romance. Inclusive não há nada relacionado ao vampirismo da saga crepúsculo. Romance além de suas probabilidades não cabe bem a mim. Obrigada.

"Vitimas noturnas"

Foi mais poético do que aterrorizador,porém um bom conto.

legal

Eu achei bem poetico e as rimas do texto estavam bem colocadas parabens

Eu gostei

Gostei, mas algum dia a Júlia vai descobrir sobre o segredo de Myrtes ?? "."

Re:Eu gostei

Carol,
Se algum dia a Júlia irá descobrir o segredo da Myrtes?
Só se eu, como autor, escrever outro texto, para esclarecer tudo, o que tornará o conto numa provável novela, mas... quem sabe?
Obrigado por as palavras inteligentes ao que escrevi.
Abraço carinhoso. Paulo.

Re:Re:Eu gostei

Wagner,
Para o escritor o apoio do leitor inteligente se constitui em em "força" para que ele continue produzindo.
Obrigadol!
Abraços. Paulo.

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