"Servo do Mal", por Paulo Valença

1

 

    - Messias você já sabe: mulher morena, nova, e com aparência.

    O sujeito gordo em gesto de cabeça aquiesce:

    - Pode ficar tranqüilo, chefe. Sei como fazer.

    - Tudo bem. Pode ir. Qualquer coisa ligue pra mim.

    - Certo Dr. Gabriel.

    Este fica seguindo com os olhos analíticos o gordo cruzar a sala espaçosa e descer a escada que o conduz à outra, na qual, cortando-a, se encontrará na varanda, com o automóvel cinza próximo. Adentrando neste, passará pelo jardim, o portão automático e ganhará a rua, em busca de executar a tarefa que lhe foi determinada.

    - Assim é que funciona a coisa...

    Sorri, resumindo-se, prático, realista. E se deixa cair sobre o sofá fofo, no qual estende o corpo magro, relaxando, em repouso. Amanhã, já será outro Gabriel. com a noite que lhe dará energia...

    Despertará novo. Sim, restabelecido.

    Cerra os olhos, adormecendo.

 

2

    Messias dirige. O Dr. Gabriel sempre o convoca para a missão de conseguir uma garota para curtir o programa amoroso. E, o que então rolará?

    - Como vou saber?

    O patrão assim que a menina lhe é apresentada, despacha-o:

    - Tudo certo, Messias. Segura aí e pode ir.

    Então pondo a quantia no bolso, ele com discrição, observa a jovem sentada na sala conjugada, na humildade da submissão do prazer que proporcionará ao senhor que agora conversa com o subalterno. Afasta-se, sem se voltar. O que a adolescente terá de fazer, quais os caprichos sexuais aos quais se submeterá? Melhor nem imaginar! O mundo é assim mesmo, e quem o consertará? Portanto... Liga o motor e o carro ganha a rua e depois a avenida praticamente deserta de veículos e pedestres.

    No bolso das calças as cédulas recebidas. Na mente, a persistente indagação: e agora? O que ele sabe é que o patrão nunca volta a transar com a mesma garota, o que se lhe apresenta um mistério.

    A madrugada envelhece e o carro se distancia na repetição de outras cenas.    

    No dia seguinte, o Dr. Gabriel amanhece mais alegre, mais corado (mais corado?), brincalhão:

    - Como é, Messias, já gastou o dinheiro?

    - Nada doutor. Guardo pra uma precisão.

    O patrão sorri e, dando-lhe as costas, esconde o sorriso que exibe os caninos maiores, ainda avermelhados do sangue sugado do pescoço da mocinha, que se deixou morder, julgando ser tudo aquilo uma carícia do jogo amoroso. E Messias vê o chefe entrando no automóvel negro cruzar o jardim, o portão e desaparecer, reentregado à sua misteriosa maneira de viver.     Pensativo, se perde em si mesmo.

    - É isso aí, cada cabeça é um mundo. Um mistério.

    Diz baixinho, dando voz ao que pensa, enquanto já distante, o carro vai se reduzindo, se reduzindo...

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