"O Desejo da Fera", por Paulo Valença

1


A noite vai alta.
O bar de Geová, à esquina da Rua das Acácias está com as mesas ocupadas por casais, na maioria de adolescentes.
À calçada do mesmo, também outras mesas estão cheias por jovens, que conversam, gargalham, na descontração natural da idade. E o garçom Pedro serve os fregueses:
- O prato, com os camarões.
- Certo, Meu!
A bandeja é posta sobre a mesa por as mãos bem tratadas do freqüentador e o funcionário da casa se afasta apressado, para servir outras mesas. 
- O atendimento daqui é bom.
- É sim, morena bonita.  
Ela sorri vaidosa, ciente da própria feminilidade, sedução e ainda sorrindo põe a cerveja nos copos.
À sua frente, a nova conquista fita-a, numa declaração muda, do desejo contido...
- Você sempre vem aqui? Como é mesmo o seu nome?
O rapaz sorrindo, procura ser natural ao lhe responder:
- Arnaldo.
- Pois é, Arnaldo e... vem sempre aqui?
Ele então desviando a atenção às mesas circunvizinhas:
- Essa é a primeira vez.
- Sim?
Silenciam.
As vozes, as risadas, o tilintar dos talheres sobre os pratos, o arrastar de cadeiras se convertem no som que se torna mais pesado, vence o salão largo, enquanto chegando ao balcão aos fundos do ambiente, o garçom faz a solicitação:
- Seu Zezé um pratinho com o sururu.
- Certo moreno.
Então, se voltando à abertura na parede, em formato de janela, grita:
- Maria saí um sururu!
Pedro aguarda. Ah, aquela morena com o cara branco, magro que chegou no automóvel cinza há pouco... Esguia, charmosa e se prostituindo, mas...
- O sururu.
- Obrigado, moreno. Você é um arretado!
A moça bebe devagarzinho. E de repente, sente a mão morna sobre a sua mão esquerda, no afago ao pecado de logo mais. E sorri compreensiva.
O seu parceiro de mesa sente com força o sangue no rosto, que de pálido se torna vermelho. O coração acelera e os caninos crescem na boca entreaberta.
Cabisbaixa, a morena não lhe percebe essa transformação e... a mão que acolhe a sua, torna-se mais quente?

 

2


No automóvel próximo à Mata do Passarinho, em Olinda.
O beijo, as mãos nervosas que buscam o corpo trêmulo e os olhos que se fecham no abandono, então... ela sente a mordida no pescoço, que a faz perplexa descerrar os olhos, e os caninos lhe sugam o sangue doce e morno, que sacia o desejo da fera travestida no jovem magro, bem vestido.
Da mata apenas se ouve o cri-cr-cri metálico, cadenciado do grilo, testemunha da cena da nova vítima de quem no egoísmo natural pela sobrevivência, se alimenta do sangue alheio.
Agora, com o corpo ao lado adormecido, o ser estranho liga o automóvel cinza e se afasta, para aonde?
Para trás vai ficando a mata, com o inseto. Cri-cri-cri...

 

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