"O Voo dos Morcegos", por Paulo Valença

 

 1

 

    Jonas vai ao encontro da jovem morena, esguia, tipo manequim.

    - Bonita “gata!”.

    Diz sorrindo. O que é a vida da gente: Quem lhe diria que de repente, conheceria a moça e logo, combinariam o encontro que, como é natural, terminará num leito de motel? E tudo isso, graças ao avanço do mundo moderno, onde não há mais tabus para nada!

    A avenida aos poucos diminui o tráfego dos veículos. Pedestres caminham nas calçadas, em sentido às paradas dos coletivos. São os trabalhadores após os expedientes, exaustos, doidos para chegar a casa, rever as famílias, jantar, assistir a televisão e depois, repousar o corpo, para no dia seguinte, tudo recomeçar. 

    - Assim é que funciona.

    O carro macio chega à Praça da Encruzilhada. E Jonas avista a figura esbelta, de pé, no abrigo, recebendo-o com o sorriso de “covinhas”.

    - Danadinha de bonita!

    Estaciona. Abre a porta e ela entra.

    - Esperou muito?

    - Nada. Cheguei agorinha.

    Sorriem e coniventes na mesma linguagem da compreensão, silenciam.

    O carro adentra no Bairro do Espinheiro, com seus edifícios, residências de classe médio-alta, aburguesada.

    - E aí tem algum lugar especial pra gente ir?

    Sorrindo, ela se volta:

    - Não. Você é quem decide.

    - Tudo bem. Conheço um barzinho legal.

    Gira a direção, adentrando na rua ao lado esquerdo. E, mais uma vez silenciam.

    Com a mão direita livre, pousa-a sobre a coxa macia e acaricia-a. A morena virando o rosto de lado sorri. A mão prossegue devagarzinho a carícia.

    Então, mais uma vez se voltando, a jovem fala:

    - A gente se encontrou ontem, na festa do seu amigo e hoje, já estamos nos conhecendo...

    Mantendo a atenção no vidro à frente, Jonas aquiesce:

    - Pois é hoje tudo é prático, rápido. O que acho interessante é que ainda há pouco, eu estava pensando nisso. Nessa rapidez com que nos “acertamos”.

    - “Nos acertamos”.

    A voz dengosa, feminina, repete, enquanto a mão atrevida vai subindo, subindo...

 

2

 

    O jantar. A comida saborosa. As doses. A conversa descontraída e agora, o motel.

Estaciona o carro. Saltam. No elevador, sobem para o terceiro andar. E já se beijam com ardor, se acariciando.

    No quarto, despem-se e se procuram no desejo que cresce. O rosto de traços bem definidos se abre num sorriso e Jonas vê de repente os caninos alongados, finos, então sorri e para perplexidade da parceira exibe também os caninos pontiagudos, crescidos, então, com rapidez os dois corpos se separam e acontece a grande metamorfose...

 

3

 

    Fora do carro, o taxista fumando espera o próximo passageiro. Profissional, aguarda, contudo, impacienta-se:

    - O movimento hoje está muito devagar!

    Reclama, no desabafo em dizer o que sente. Atira o cigarro pequeno fora e, ao erguer o rosto vê os dois grandes morcegos saindo da janela do terceiro andar do prédio defronte e que tomam direções opostas. 

    - Nunca pensei que num motel de luxo desses tivesse morcegos.

    As formas se perdem na noite.

    Pensativo, o homem acende outro cigarro.

    - É cada cena que acontece na noite!

    Então, ao aceno do sujeito que deixa o motel, entra no carro e vai atendê-lo.

    - Terei visto aquelas criaturas?

    Estaciona.

    - Boa noite.

    - Boa noite. Me leva pra Água Fria.

    - Certo. Pode entrar.

    O outro assim procede e o carro parte.

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