"Mistérios da Madrugada", por Paulo Valença

 

1

 

    O automóvel entra na rua sem movimento de veículos ou pedestres.

    - Será que a rua é essa mesma?

    Indaga-se baixinho o homem “maduro” que o dirige. Avança. A residência é a quinta à direita. Sim, a rua é mesmo essa e a casa é aquela ali.

    Avizinha-se, diminuindo a marcha. E perplexo vê a falta de cuidado com a construção, de muro baixo, o jardim mal cuidado, o terraço gradeado. A janela ao lado também fechada. As paredes manchadas pelo decorrer do tempo. Até o portãozinho ao centro do murro, com a pintura descascada...

    Salta. E fica parado à calçada. A perplexidade dominando-o. Está vivendo um pesadelo?

    O senhor da casa conjugada surge, vindo do interior dessa e, fita-o, debruçado sobre o murinho. Os olhos seguindo-o, numa interrogação. Então, se voltando, inquire ao idoso:

    - Faz tempo que está casa está desocupada?

    O outro sorri:

    - Há uns quatro anos, moço.

    - Mas...

    - A jovem, uma linda morena, que morava aí faleceu.

    Ante a revelação, sem se conter torna a indagar, a voz gritada: 

    - Faleceu?

    - Pois é, faleceu. E, até o presente, ninguém apareceu para alugar ou mesmo vender essa casa, que está se acabando...

    Terá se enganado? Não, a casa é essa. A rua é essa... Então, prático, despede-se:

    - Tudo bem. Obrigado pela informação.

    - Não há de quê, moço.

    Ele entra no carro e o idoso permanece no murinho, seguindo-o com a vista, na curiosidade da indisfarçável censura.

    Devagar o carro deixa a rua. Já então a noite se anuncia através das luzes acesas dos postes e das residências. Dirige.     Pensativo. Sem saber explicar o que presenciou e vive.

    - Você quer ficar onde?

    Sorrindo, a bela morena com o rosto voltado ao que o carro ia deixando para trás na madrugada, lhe respondeu:

    - Me deixe na segunda rua, à esquerda.

    - Certo.

    Adentrou na rua com um ou outro pedestre nas calçadas e estacionou.

    - Fico aqui.

    Abriu a porta e, voltando-se, ela indagou:

    - Quer saltar um pouquinho?

    - Não, não. Tenho de trabalhar logo mais. De outra vez...

    O sorriso de covinhas nas faces morenas à luz do poste próximo e viu-a abrir o portãozinho, cruzar o jardim, abrir o gradil do terraço, entrar e abrindo a porta ao lado, desaparecer na sala conjugada. 

    Ligou o carro e partiu, se prometendo que a visitaria, quando a saudade lhe apertasse... E as cenas no leito do motel se lhe desenharam, como num filme erótico.

    - A menina é muito quente!

    Sorrindo, distanciava-se, enquanto a madrugada envelhecia ao encontro do novo dia.

    Conhecera a morena no Clube “Azul e Branco”. Tirara-a para dançar e, logo, bebendo, conversando, se entenderam.

    - Aqui perto tem um motel muito bom.

    - Ótimo. Vamos sair agora?

    - Vamos.

    Paga a despesa, no carro seguiram para o motel à beira-mar. E as cenas. O amor louco de ambos... Depois se indagou: por que ela não ligara, não lhe passara o número do celular? O mistério. E o desejo repentino de retroceder a casa na qual deixara a bonita criatura.

    - Estarei sonhando?

    Mais uma vez indaga-se. Mas... Por que a estranha sensação de estar sendo seguido? Precisa mesmo de umas férias, deve estar estressado, imaginando coisas.

    O automóvel ganha o viaduto deserto. Então acontece: surge no vidro dianteiro do veículo a forma... Do   gigantesco vampiro, que abre as longas asas, batendo-as uma de encontro à outra e abrindo a boca, exibe os caninos crescidos, pontiagudos. Os olhinhos cintilam penetrantes, cruéis. E o enorme morcego investe contra o vidro, forçando-o, na intenção de entrar.

    Sem controle emocional, o homem não consegue comandar o carro e indo de encontro à murada lateral, despenca, no salto que o conduz à avenida embaixo.

    Ante a abertura do vidro que se espatifa, o morcego investe contra o motorista desfalecido sobre a direção do veículo.

    As longas asas envolvem o corpo e os caninos se cravam no pescoço, sugando o sangue...    

    Aos poucos, o corpo vai se aquietando.

 

2

 

    - Tenente o que o senhor acha desse caso?

    O negro agigantado então sem desviar a atenção do corpo, entre a direção e o banco do veículo, responde:

    - O elemento está morto e, com essa cor... Sem sangue, como se tivesse sido atacado por uma fera!

    O soldado auxiliar concorda, também fitando o cadáver:

    - Veja o senhor aí de lado do pescoço, os furinhos paralelos...

    Silenciam intrigados com o mistério da morte ocorrida ma madrugada.

    Por trás do edifício alto, imponente à esquerda, o sol cintila no céu azul da nova manhã.

    Mas... Será possível? Indaga-se o tenente. Escuta mesmo o som de asas se batendo? E seus olhos perscrutam, à procura da temível confirmação.

    - O senhor está ouvindo também tenente?

    - Sim, sim.

    Perplexos emudecem, enquanto suas mãos nervosas buscam as armas na cintura.

    O som se destaca mais, vindo.

Tópico: "Mistérios da Madrugada", por Paulo Valença

Novo comentário