"Muito cuidado com o que você deseja...", por Mirian Fidelis
Quando ainda era menino, certa vez escutei a história sobre um homem muito pobre que cansado de passar por privações resolveu acabar com a falta de dinheiro.
Um dia ele trancou todas as portas da casa, acendeu incenso, velas, fez um pentagrama no meio do quarto e decidiu que naquele momento mudaria de vida, seria um homem rico, muito rico, que teria uma vida boêmia, que faria festas e mais festas. Terminado seu enorme discurso do que seria uma vida perfeita regada a bebidas, mulheres, orgias e noitadas, assinou com o próprio sangue. Não tardou para que entrasse em transe, em seu louco sonho encontrava-se com o senhor das trevas e este lhe impunha uma única coisa que devia fazer. Todos os dias ao lado de sua cama iriam aparecer cédulas de dinheiro que deveriam ser gastas, não deveria preocupar-se afinal de contas aquilo era um pacto e estava assinado, logo ambos teriam que cumprir suas dívidas. Estas cédulas apareciam regularmente logo que ele abria os olhos elas estavam ali, ao lado da cabeceira.
No primeiro dia foi um sonho, ele acordou, olhou para o teto e ficou confuso quanto ao sonho que havia tido na véspera, teria sido um sonho, ou tudo fora verdade? Ainda as lembranças estavam fortes, mas eram meio embaçadas e estranhas. Sentia uma dor fortíssima no braço e assustado olhou para a manga do pijama que estava suja de sangue logo acima do pulso direito. Sua boca ficou aberta, estava cravado um símbolo estranho e avermelhado semelhante uma enorme queimadura meio borrada, não dava para identificar o que estava escrito, mas era visível que havia uma data, só que não dava para entender. O homem ficou estarrecido, havia sido realidade, tudo o que aconteceu no sonho era verdade, ele agora neste momento devia ser um fausto e um homem muito rico. A queimadura ardia, ele suava em bicas, retorcia-se, a boca estava seca, a cabeça latejava, mas ele não se importava afinal de contas era só tomar um comprimido e pronto, tudo seria resolvido. Levantou de sua cama e esta estava encharcada de sangue, sangue de seu pulso aberto e queimado.
Tomou banho, vestiu sua melhor roupa e tomou o remédio. Ao olhar para o criado mudo ficou estarrecido, havia uma enorme pilha de dinheiro, todas as cédulas eram de notas altas e novas, aquele cheiro de dinheiro enchia todo o seu quarto. Pegou o montante de notas e o cheirou, beijou, jogou para cima, passou pelo rosto, deitou em cima... Estava literalmente nadando em dinheiro. Eram tantas notas e havia tantas coisas que ele gostaria de comprar que não sabia por onde começar. Queria comprar roupas, sapatos, comidas, móveis, depois compraria uma casa, um carro, uma moto e sabe-se lá mais o que...
Conforme o tempo passava o pobre homem não sabia mais o que comprar, ele já possuía tudo e não estava mais conseguindo gastar todo o dinheiro como antigamente. Outro fator importante era que a dor do braço nunca passava, queimava dia e noite e à medida que o dia avançava e ele não gastava o dinheiro a dor aumentava, era uma espécie de aviso. Aquilo era constante, nunca passava, não tinha descanso, era uma tortura!
Alguns anos se foram, ele não envelhecia, não ficava doente, não engordava, não havia nenhum tipo de alteração em sua forma física. Seus amigos eram amigos de balada, falsos, gananciosos e insensíveis. Já estava ficando chato sair todas as noites sem descanso, fazer festas que duravam dias, gastar dinheiro em jogos de azar, alugar iates e helicópteros para passear... Tudo já o deixava muito entediado.
Por mais que ele gastasse parecia que o dinheiro brotava, minava, ele já começava a achar que estava ficando louco. Resolveu comprar coisas para os seus vizinhos e amigos, logo nenhum deles precisava de mais nada, o problema era que não dava para juntar o dinheiro, tinha que ser gasto toda a quantia no mesmo dia e ele não podia jogar fora porque as cédulas voltavam para o criado mudo. A dor lancinante não o deixava nunca.
Certo dia ele acordou meio indisposto e sem ânimo para sair da cama. Ficou muito tempo na cama coisa que ele não fazia há anos. Simplesmente esqueceu que precisava sair de casa cedo para gastar o dinheiro, quando se deu conta levantou correndo e foi aos seus afazeres, já passava das onze e meia da noite quando ele percebeu com horror que não havia gasto nem metade do dinheiro, começou a entrar em pânico, o suor escorrendo pela testa, cabelos e ensopando a camisa, a dor do braço queimando cada vez mais forte parecia até que saia uma leve fumaça amarelada cheirando enxofre... Uma dor fortíssima de cabeça começou e parecia que sua cabeça latejava junto com a cor e cada vez que a dor aumentava a cabeça pesava.
Tudo começou a girar a sua volta, o desespero bateu forte neste momento. Ele gritou.
Nunca ninguém soube ao certo o que de fato aconteceu com aquele pobre diabo. O que todos ficaram sabendo depois foi que o senhor das trevas veio acertar as contas já que ele não cumpriu o trato que havia feito.
No dia seguinte não o encontraram mais apenas o monte de dinheiro no criado mudo ao lado da cabeceira da cama e no chão do quarto uma enorme mancha escura de queimado e um cheiro forte de enxofre pelo ar, é por isso que antes de vender o que mais possuímos de precioso é bom termos certeza do que realmente desejamos...